15 de janeiro de 2009

Tic-tac...tic-tac


Lendo um livro de Rubem Alves chamado “Filosofia da Ciência – Introdução ao jogo e suas regras” me deparei novamente com uma analogia que considero perfeita para entender o que é, como funciona, o que busca e o que produz a ciência.

Imagine-se vendo um relógio pela primeira vez e sendo impossível abri-lo como faria para compreender o seu mecanismo de funcionamento?

A ciência busca justamente resolver problemas como este, compreender mecanismos de funcionamento sem poder olhar diretamente para eles, sem ter acesso direto à realidade. A ciência busca o invisível.

E o primeiro passo é olhar para os fatos. Neste caso, por exemplo, um mostrador, com ponteiros que giram regularmente, a velocidades diferentes, mas constantes. Mas os fatos são apenas dados, não fornecem explicação alguma sobre o mecanismo do relógio e, na verdade, constituem o problema a ser resolvido pelo cientista.

Neste ponto, a imaginação é essencial, como disse Eisntein, “a imaginação é mais importante que o conhecimento”. É necessário que o cientista dê um “pulo mental” e construa mentalmente o que ele não pode ver: um mecanismo que explique os fatos, que são os dados a que se tem acesso direto. A estes mecanismos assim construídos chamamos de modelos. As pessoas tendem a achar que modelos e teorias científicas são verdadeiras, mas modelos não são cópias da realidade, pois não temos acesso a ela, não podemos abrir o relógio para saber se o modelo corresponde ao real mecanismo e, portanto, não podemos dizer que são verdadeiros. Mas, então que validade tem os modelos e teorias científicas? Aceitamos os modelos e as teorias que funcionam. Que se mostram universalmente válidos, cujas previsões se mostram corretas. E para isso, pagamos para ver, pesquisamos, testamos, experimentamos.

Uma questão interessante que Rubem Alves discute é que, quando observamos os fatos nos quais baseamos nossos modelos, não temos garantia alguma de que no futuro, a natureza irá se comportar da mesma forma que no passado,  “Em todos os raciocínios derivados da experiência existe um passo dado pela mente que não é apoiado por nenhum argumento ou processo do entendimento” (David Hume) e este passo é “a passagem do passado para o futuro, do particular para o geral que se dá por meio da estreita e ignorada ponte da fé e da aposta”...mas, como eu disse antes, em ciência, não fazemos apenas apostas e damos palpites (modelos), mas pagamos para ver...experimentando, testando a funcionalidade, universalidade e a capacidade de previsão dos modelos e teorias em que apostamos nossas moedas. A ciência produz modelos hipotéticos e provisórios da realidade que serão aceitos enquanto funcionarem de forma adequada e que serão colocados em questão e eventualmente substituídos assim que deixarem de cumprir suas promessas...

Obs.: a primeira vez que vi esta analogia do relógio foi durante o meu estágio no CAp da UFRJ. Na verdade, não era um relógio, mas uma caixa construída pelos professores que tinha algumas alavancas (na verdade, eu não sei como funciona, pois não usei com os alunos das minhas turmas). Mas a idéia era que os alunos desenvolvessem um modelo para explicar como funcionava a caixa, sem, obviamente, olhar seu interior e com isso discutir os conceitos de ciência e de modelos científicos. Queria eu ter tido uma aula assim, ainda no início do ensino fundamental! A maioria das escolas não se dá ao trabalho de discutir estas questões nas aulas de ciências...mas apenas coloca o conhecimento científico como algo definitivo e estático.